Na Funerária

Boa tarde!
– Boa tarde! Tudo bem?
– Tudo bem não. Pode estar tudo bem quando a gente tem que entrar numa funerária?
– Desculpe, eu só estava tentando ser simpático.
– Eu preciso comprar um caixão.
– É para o senhor?
– Claro que não! Não está vendo que eu estou vivo?
– Gente morta compra caixão?
– Vai ou não vai me vender o caixão?
– Já que o senhor insiste... Mas, por favor, largue o meu colarinho.
– Olhe, rapaz, estou tendo um dia difícil. Não tente mais nenhuma gracinha senão o caixão vai ser pra você mesmo, ouviu?
– Por falar em possíveis ocupantes do caixão, pra quem é o alaúde?
– Alaúde?
– Desculpe, mas alaúde e caixão são a mesma coisa. Do mesmo modo, esquife, féretro, urna... Tem mais um cinco nomes. Quer saber?
– Por favor, me vende o danado do caixão!
– Pois não, pra quem é o caixão?
– Pra minha sogra. A coroa morreu.
– Meus parabéns, senhor!
– Hein?
– Meus parabéns! O senhor veio ao lugar certo. Temos as melhores urnas do mercado. Por aqui, por favor. Está vendo? São feitas com fino mogno. E aquelas, então: puro jacarandá.
– Eu não quero frescuras. Só quero dar um enterro digno pra mãe da minha mulher. A coroa era meio implicante, tá certo, mas eu gostava dela, entendeu?
– Esse caixão aqui tem um preço alto, mas em compensação o senhor ganha uma coroa e todas as flores internas.
– Pois mande a coroa pro inferno.
– Está mandando a sua sogra pro inferno?
– Eu estou falando da outra coroa, seu animal.
– A sua mulher?
– Agora também já é demais.
– Por favor, não se irrite, senhor. Me desculpe se fui indelicado.
– Me dá aquele caixão branco ali. E estamos conversados.
– Mas aquilo é uma banheira decorativa, não é um caixão. Tenho um creme, quase branco. Pena que não é uma banheira, mas resolve.
– Eu levo.
– Quer que embrulhe?
– Embrulhar o caixão?
– Quer que embrulhe a vela que acompanha o caixão?
– Eu guardo a vela.
– Onde o senhor vai enfiar a velha... quer dizer, a vela. A vela não!... a velha, ou melhor, a sua sogra. Onde ela vai ser enterrada?
– Por quê?
– Pra ver se a gente manda o carrinho.
– Quer saber de uma coisa? Eu já desisti de comprar aqui. Não quero acompanhar um caixão que me fez tanta raiva. Prefiro seguir logo atrás, bem devagar e compenetrado no meu lugar, sem pensar em brigas. Levando apenas o meu pesar. Ah, e sabe aquela vela que você me ofereceu? Sabe onde eu vou colocar?
– Claro... o senhor vai levar atrás, bem devagar e compenetrado.

Crônica de autoria de José Antônio Oliveira de Resende
E-Mail: jresende@ufsj.edu.br

professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade Federal de São João del-Rei.

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